sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O Rabaçal, o Risco e as 25 Fontes




Genuínos apreciadores das belezas naturais da nossa ilha, os caminheiros estrangeiros que há mais de um século visitam a Madeira colocaram-na nos mapas naturistas e turísticos mundiais. Pode dizer-se igualmente que foram eles, principalmente os ingleses, que descobriram as belezas da Madeira e lhes deram valor nas suas deambulações solitárias pelas levadas, veredas e caminhos rurais da ilha, divulgando depois essas belezas através de pinturas, litografias, postais, fotografias e documentários cinematográficos que facilmente hoje encontramos na internet. Ainda nos anos 50 do século passado eram encarados como pessoas excêntricas, amalucadas, os turistas que a pé calcorreavam os picos e subiam ou desciam os vales com as mochilas às costas, bem agasalhados, botas grossas e bordões nas mãos, ou de chapéu de palha, peito ao léu, calções e de sandálias. À parte os pastores, lenhadores, camponeses, grupos escotistas e de estudantes do secundário, poucos citadinos caminhavam pelos trilhos e levadas que serpenteiam a serra madeirense. Faziam-se excursões de camioneta para ir à «neve», quando caía muito granizo na serra, acima do Poiso ou no Areeiro, e ao Chão dos Louros, Prazeres, Queimadas e outros aprazíveis lugares do «campo», no Verão. De resto, só com o desenvolvimento económico e cultural dos anos 60 e, sobretudo, com a expansão do automóvel nos anos 70, os citadinos começaram a subir à serra mais vezes, aparecendo então grupos da elite funchalense e jovens estudantes a defenderem a natureza, e famílias a fazerem os piqueniques com as novas condições então criadas. Mas, a percorrer veredas e levadas, como prática naturista, creio que ainda hoje são turistas estrangeiros a maioria dos caminheiros que se atravem a tais aventuras durante todo o ano. Tive agora conhecimento, através da net, da existência do Club Pés Livres, que organiza regularmente caminhadas. Excelente. Vejam o seu blogue aqui.
Tinha uns 6 ou 7 anos e andava na Escola do Caseiro (1950/51), quando fui aos Tornos, integrado num grupo de miúdos levados pelo padre Mário, italiano do Seminário dos Missionários, que «paroquiava» a zona. Estavam então a fazer-se os primeiros trabalhos de captação de água no furado dos Tornos. Mais tarde, quis voltar lá, quando tinha 15 anos e namorava com a Rosinha, mas não passámos da ponte da ribeira. As raparigas tiveram medo de atravessá-la, porque haviam desmanchado os muros da ponte para dar espaço à passagem de jipes e não voltaram a refazê-los.
Sabedores de que a Rosinha e eu não conhecíamos o Rabaçal – só tinha visto fotos e litografias – os casais Edite-Fernando e Mercês-Zé Gregório organizaram um passeio, no sábado, 18, ao Paul da Serra, de onde se desce para a casa do Rabaçal e dali para as famosas fontes. Também foram a Gorete, o Vítor Hugo, filho da Mercês e do Zé, e a Fabíola, sua namorada.
O grupo partiu, ao princípio da manhã, do Livramento, no novíssimo automóvel do Fernando, um Audi A3, e no Micra da Mercês. Na esplanada da praia da Ribeira Brava tomámos café e na subida para a Encumeada bebemos poncha e tirámos fotos. Já no alto, nos Vinháticos, voltámos a parar para apreciar a paisagem e fotografar. Mais adiante, no caminho do Paul da Serra, parámos, desta feita para fotos da deslumbrante mancha de laurissilva e do nevoeiro branco que dela se desprendia, subindo a montanha, formando um mar de nuvens imaculado abaixo do Pico do Areeiro, ali tão perto, à nossa frente.
No planalto do Paul da Serra, mais propriamente no Bico da Cana, parámos para almoçar, que o ar da serra dá fome. Um guisado de carne da alcatra, com legumes e caldo saborosos, e arroz branco, que a Edite e o Fernando haviam preparado e que ainda fumegava, vinho tinto que eu distribuía, e pão e fruta que a Mercês se encarregava que não nos faltasse. No final, alegres e bem-dispostos, fomos tomar café, mais adiante uns dois quilómetros, perto do local de onde se desce para o Rabaçal, a 1290 metros de altitude.
Chegada uma das duas carrinhas Ford Transit da empresa municipal Solcalheta, que constantemente fazem a travessia, comprados os bilhetes de ida e volta por cinco euros cada passageiro, lá descemos para a Casa do Rabaçal, a 1160 metros de altitude, durante vinte minutos, por um caminho que serpenteia o vale com muitas ravinas.
Já na Casa do Rabaçal, onde um grupo de turistas aguardava para subir, seguimos a tabuleta que indicava o percurso de 1,2 quilómetros para o Risco, a 1000 metros de altitude, descendo por degraus feitos de terra, pedras e troncos, algo incómodos para «cotas», e seguindo depois por uma linda vereda ladeada dos dois lados por densa floresta e por uma levada, à direita, alimentada por água que escorria da barreira, à direita, e das folhas das plantas de laurissilva. Finalmente chegámos ao Risco. O famoso Risco é uma queda de água que desce da lagoa de Ana Beja, a uns 70 metros acima, para a lagoa do Vento, a meio, e desta para um ribeiro que dá curso à água. Existe no local um largo amurado de bancos e, perto, um túnel que está fechado por um gradeamento, talvez por motivo de segurança.
Devido ao cansaço que sentia no coração, onde já estão alojados dois «stents», talvez provocado pelo ar rarefeito, menos denso, da altitude, que me fazia atrasar em relação aos companheiros, como precaução e acordo de todos, fiquei-me, com grande pena, pelo Risco. Eles lá continuaram e abaixo está o «link» para poderem ver as fotos da aventura de mais 2,5 quilómetros a descer para a altitude de 970 metros e depois subir.
Passado algum tempo, depois de um telefonema ao Fernando, a comunicar que iria voltar para trás, devagarinho, comecei a subir para a Casa do Rabaçal. Mantive-me por ali perto, a apreciar os pássaros, já habituados à presença humana, e depois meti conversa com o vigilante do Rabaçal. Foi ele que me indicou o bisbis, o papinha ou papinho, o tintilhão, este último muito social, aproxima-se das pessoas, e, segundo o vigilante, pela manhã, é capaz de vir comer à mão. Entretanto, os nossos conhecidos melros, desconfiados, valendo-se do tamanho, roubavam comida aos outros pássaros, que fugiam… Foi ainda o vigilante quem me disse das suas funções no Rabaçal e das obras que estavam a decorrer no interior da casa, agora deserta, onde, normalmente, pelo preço simbólico de dez euros cada, se pode pernoitar em quartos de três camas e utilizar a cozinha e a sala colectivas. Falámos ainda sobre o já famoso teleférico que o Governo Regional e a autarquia calhetense querem construir do Paul da Serra para o Rabaçal, o Risco e as 25 Fontes.
Já agora, quero confidenciar-lhes uma coisa que me veio à lembrança, enquanto esperava: há tempos, assinei, na internet, uma petição contra a construção deste teleférico. Hoje, tendo experimentado as dificuldades da descida ao Rabaçal e ao Risco, não assinaria o abaixo-assinado. Entendo que, em comparação com o impacte ambiental e a intromissão na vida privada dos quintais dos moradores por onde passa o teleférico do Monte, o impacte ambiental no Rabaçal será insignificante. Como é o do Jardim Botânico-Babosas. Quanto à floresta de laurissilva, ela não se «queixará», porque é grande, de lhe tirarem os metros quadrados de terreno necesssários para as torres e as estações, que acabará mais tarde por «abraçar», ou dos cabos e das cabinas lá no alto. Pelo contrário, será mais bem apreciada esta jóia da Calheta que quis ser património mundial. Não lhe façam outros males maiores. As belezas do Rabaçal, do Risco e das 25 Fontes devem ser conhecidas da população mundial, em conformidade com o estatuto que alcançaram da UNESCO. Todos têm o direito de as admirar, caminhando, ou, tendo patologias que não o permitam ou por outra razão de locomoção, vê-las, sentados, dentro de cabinas, desde que sejam protegidas a frondosa floresta e a sua fauna, e não haja negociatas que procurem o lucro fácil. O egoísmo fundamentalista não tem em conta o interesse pela natureza de uma parte da população, os idosos e os doentes.
Ao fim de duas horas e meia, eis que os meus companheiros foram aparecendo aos poucos. Cansados e de respiração ofegante, naturalmente. Segundo a Rosinha, afogueada, eram lindas as 25 Fontes, tinha gostado muito, mas não era para repetir a aventura… Na próxima carrinha, subimos ao Paul da Serra, onde começava a chover.
Seguimos para a Santa e para o Porto do Moniz, com melhoria do tempo, Ribeira da Janela, onde lanchámos e brincámos, e depois, com poucas paragens, para o Seixal, São Vicente, Rosário, onde atravessámos o túnel, já em velocidade de cruzeiro, para a Serra d’Água e Ribeira Brava, e nos dirigimos, rapidamente, para o Funchal.
Aos nossos grandes amigos, os nossos agradecimentos pelo prazer que nos deram de conhecermos as belezas que não conhecíamos e pelo divertimento e a aventura que tivemos. Abraços!
Para verem as fotos do passeio entrem aqui, coloquem os caracteres e façam download.


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